quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

capítulo 15

Depois do final de noite deprimente, fico acordado até de manhã imaginando o que os desígnios divinos preparam pra mim, afinal, sem emprego, sem a mulher que eu amo, morando sozinho... alguma coisa deve acontecer.
Infelizmente acho que já sei o que é.
Bem que eu achei que comer, quando cheguei em casa, um sanduíche com um presunto meio azulado não me cairia bem.
Vida de merda!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

capítulo 14

Depois de andar por algumas ruas do centro de Santa Maria encontro um boteco ainda aberto na final da Avenida Rio Branco, "Amor em Pedaços", o nome não poderia ser melhor considerando a minha situação.
Sento e peço uma Polar, o balconista, um senhor de idade, gordo, usando uma regata encharcada de suor do Vitória da Bahia, nem me responde, apenas abre um freezer velho, pega um copo na parte debaixo do balcão e vem me entregar arrastando os chinelos de dedo. Ele larga o copo na mesa, abre a cerveja e volta para a sua posição inicial sem falar uma palavra.
Bem, depois de esfregar o copo na minha camiseta para tentar, inutilmente, tirar o excesso de gordura, eu tomo um gole e fico olhando ao meu redor. O que eu posso dizer, o lugar mal iluminado se resume ao balcão caindo aos pedaços, um freezer que outrora foi branco, um baleiro com umas balas que eu não via desde a minha infância, e acho que são as próprias, um pote com ovos coloridos em conserva, misteriosamente de diversos tamanhos, o que me faz pensar que ali tem ovo de codorna, galinha e avestruz, uma foto retirada de uma revista Placar antiga com o Internacional octa-campeão gaúcho em 1976 e três mesinhas de plástico.
Além de mim e do dono do boteco, apenas um senhor vestido como um figurante de filme pornográfico dos anos oitenta toma uma cerveja em outra mesa. Não tem um rádio, uma TV, o silêncio é sepulcral.
Reparo que o velho da outra mesa está me olhando.
- Perdido pela cidade? - ele levanta e vem até a minha mesa - Posso sentar?
Faço um gesto afirmativo e ele senta.
- Pra estar aqui sozinho, tão tarde, só pode estar procurando algo.
- Não é o meu caso - e falo tentando encerrar o assunto - apenas quero ficar sozinho.
- O que você quer então?
- Quero apenas esquecer.
- Algum amor?
- É.
- Ah, mas pra ti vai ser bem fácil. Um rapaz tão bonito logo arranja alguém.
- Não é bem assim.
Ele coloca a mão no meu braço.
- Não seja modesto, com o esse corpão... é um desperdício ficar aqui sozinho.
Puta merda! E essa agora! Sério Deus, tá bem que eu não tô me acertando com nenhuma mulher, mas não sejamos tão radicais, transar com um velho gay em um bar que já deveria ter sido fechado pela vigilância sanitária na época do Getúlio Vargas não está nos meus planos para está vida. E já deixo bem claro, nem na próxima!
Eu levanto.
- Olha, obrigado pelo elogio mas acho que já tá na minha hora.
- Quer uma carona?
- Que é isso, não quero incomodar, eu gosto de fazer exercício de madrugada - vou até o balcão - e aí meu tio, quanto é a ceva?
- Cinco pila.
Eu dou o dinheiro e pego o rumo da saída.
- Então tá gente amiga, o papo tá bom, mas já tá na hora de eu me encontrar com Morpheu.
O velhinho pornográfico me olha.
- Eu sabia que tu tinha alguém.
- O quê? Eu com alguém? Não... Morpheu é... ah deixa pra lá! Fui!
Eu saio do bar e subo a rio Branco em direção de casa.
Essa é a típica coisa da minha vida.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

capítulo 13

Paulinha me deixa em casa mas eu não subo, fico olhando ela partir até o carro sumir na esquina. Meu humor não melhorou mas conversar com ela já me fez sentir vivo, o que já é um começo.
Só tem um problema, não tenho coragem de subir e ficar sozinho em casa. Nem pensar! Essa hora deve ter algum boteco aberto nesta cidade. Quem sabe eu tomo todas e durmo até o ano que vem. Até lá já vou ter esquecido a Carol, ou quem sabe tomo todas e acabo descobrindo que na verdade estou dormindo.
É isso!
Eu sou apenas o meu sonho, ou o sonho de outro!
Eu sou o pesadelo de um viciado em heroína, um junk necrófilo!
Caralho, só pode ser isso, afinal, qual seria a explicação pra todas essas pessoas que sempre estão escutando pagode ao meu redor.
E se... e se... e se, porra nenhuma! Como eu penso merda inútil, há vinte minutos eu tô parado em frente ao meu prédio, simplesmente não pensando em nada e ainda não fui procurar um bar.
Eu sou um merda mesmo!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

capítulo 12

Fico olhando o cachorro quente na minha mão e suspiro.
- Adoro o cachorro aqui do "Come Cão", mas na fase que eu tô, até isso não tá bom.
- O cachorro tá ótimo, tu é que tá azedo. Eu sei qu tu tá sofrendo Soda - ela é a única pessoa que me chama assim - então desabafa de uma vez e tira essa mulher da tua cabeça.
- Tira essa dor de que jeito? É muita frustração para um homem só.
- Que frustração Soda?
- Como assim que frustração? A frustração de mais um relacionamento fodido. Eu não sou mais criança, tenho 42 anos, será que minha vida é isso? Levar foras e ficar sozinho? Eu vou acabar virando o tiozinho das festas em família!
Paulinha ri.
- Qual é a graça guria?
- Até para sofrer tu é um exagerado. Não te preocupa que tu não vai morrer sozinho.
- Como é que tu sabe disso?
- Da mesma maneira que eu sei que eu não vou ficar sozinha.
- Eu gostaria de ter essa confiança.
- Esse é o teu problema, tu não acredita em ti, isso deve ser culpa das músicas depressivas que tu escuta. Tu precisa de mais guitarra e menos baixo na tua vida.
- Ah tá! Isso só poderia vir da guria poser que ama o Motley Crüe.
- Amo mesmo seu trouxa! Cala a tua boquinha e come teu cachorro que tá pingando mostarda na tua camiseta.
- Porras, minha camiseta do Bauhaus! E agora pra tirar essa mancha amarela? Que merda, nem pra comer um cachorro quente eu sirvo!
- Tu é um cabecinha mesmo... mas eu te adoro assim.
Poxa, essa guria é muito tri. Só ela pra fazer eu rir um pouco.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

capítulo 11

"Everyday is Like Sunday" do Morrissey toca no som do carro e aproveito para aumentar o volume.
Paulinha e eu ainda não conversamos nada direito e estamos em silêncio esperando nossos cachorros-quentes em frente ao trailer do Come Cão.
A Paulinha é o tipo de guria ideal: se veste como uma rockeira chic, ou seja, usa bota de cowboy feita de couro de cobra, short jeans todo rasgado e camiseta do The Cult, é culta, ganha tri bem trabalhando como arquiteta e é apaixonada pelo The Clash. Mas mesmo com tudo isso eu nunca fui a fim dela e nem ela a fim de mim, o que acabou acontecendo é que nos tornamos meio que irmãos, sempre um cuidando do outro.
Ela pega a minha mão.
- Quer falar?
- Não.
- Tu sabe que uma hora, um dia, tu vai ter que falar e conversar sobre isso.
- Mas hoje não é o dia.
Um anão usando uma camiseta duas vezes maior que o tamanho dele, o que não é muito difícil, traz os nossos lanches até o carro, interrompendo a conversa.
- Dois cachorros de calabresa.
- Isso mesmo.
- E pra beber?
- Duas Pepsis.
O anão se afasta para buscar os refris e eu fico cuidando ele.
- Tu reparou que ele tinha a voz do Pato Donald?
- Soda, tu tem um problema!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

capítulo 10

Entro no carro da Paulinha e ela me abraça com um carinho que só uma amiga de verdade pode fazer. Ao sentir esta energia encho os olhos d'água e ela parece notar isso.
- Não me conta nada!
Ela tem um sorriso cativante. Liga o carro, coloca no som "Baba O'Riley" do The Who e acelera junto com os primeiros acordes do Pete Townshend.
Realmente eu não falo nada, não preciso, apenas coloco a cabeça para fora, vejo as ruas ficarem para trás e grito com todas as forças.
A Paulinha apenas olha pra mim e sorri.