Depois de andar por algumas ruas do centro de Santa Maria encontro um boteco ainda aberto na final da Avenida Rio Branco, "Amor em Pedaços", o nome não poderia ser melhor considerando a minha situação.
Sento e peço uma Polar, o balconista, um senhor de idade, gordo, usando uma regata encharcada de suor do Vitória da Bahia, nem me responde, apenas abre um freezer velho, pega um copo na parte debaixo do balcão e vem me entregar arrastando os chinelos de dedo. Ele larga o copo na mesa, abre a cerveja e volta para a sua posição inicial sem falar uma palavra.
Bem, depois de esfregar o copo na minha camiseta para tentar, inutilmente, tirar o excesso de gordura, eu tomo um gole e fico olhando ao meu redor. O que eu posso dizer, o lugar mal iluminado se resume ao balcão caindo aos pedaços, um freezer que outrora foi branco, um baleiro com umas balas que eu não via desde a minha infância, e acho que são as próprias, um pote com ovos coloridos em conserva, misteriosamente de diversos tamanhos, o que me faz pensar que ali tem ovo de codorna, galinha e avestruz, uma foto retirada de uma revista Placar antiga com o Internacional octa-campeão gaúcho em 1976 e três mesinhas de plástico.
Além de mim e do dono do boteco, apenas um senhor vestido como um figurante de filme pornográfico dos anos oitenta toma uma cerveja em outra mesa. Não tem um rádio, uma TV, o silêncio é sepulcral.
Reparo que o velho da outra mesa está me olhando.
- Perdido pela cidade? - ele levanta e vem até a minha mesa - Posso sentar?
Faço um gesto afirmativo e ele senta.
- Pra estar aqui sozinho, tão tarde, só pode estar procurando algo.
- Não é o meu caso - e falo tentando encerrar o assunto - apenas quero ficar sozinho.
- O que você quer então?
- Quero apenas esquecer.
- Algum amor?
- É.
- Ah, mas pra ti vai ser bem fácil. Um rapaz tão bonito logo arranja alguém.
- Não é bem assim.
Ele coloca a mão no meu braço.
- Não seja modesto, com o esse corpão... é um desperdício ficar aqui sozinho.
Puta merda! E essa agora! Sério Deus, tá bem que eu não tô me acertando com nenhuma mulher, mas não sejamos tão radicais, transar com um velho gay em um bar que já deveria ter sido fechado pela vigilância sanitária na época do Getúlio Vargas não está nos meus planos para está vida. E já deixo bem claro, nem na próxima!
Eu levanto.
- Olha, obrigado pelo elogio mas acho que já tá na minha hora.
- Quer uma carona?
- Que é isso, não quero incomodar, eu gosto de fazer exercício de madrugada - vou até o balcão - e aí meu tio, quanto é a ceva?
- Cinco pila.
Eu dou o dinheiro e pego o rumo da saída.
- Então tá gente amiga, o papo tá bom, mas já tá na hora de eu me encontrar com Morpheu.
O velhinho pornográfico me olha.
- Eu sabia que tu tinha alguém.
- O quê? Eu com alguém? Não... Morpheu é... ah deixa pra lá! Fui!
Eu saio do bar e subo a rio Branco em direção de casa.
Essa é a típica coisa da minha vida.